quarta-feira, 12 de março de 2014

O Homem Solitário



O Homem Solitário

Eu vejo o homem solitário vagando por ruas e avenidas
Cercado de vento e desatino
Eu vejo o homem solitário queixando-se da saudade
Roendo as unhas numa fila invisível

Eu vejo o homem solitário que gosta de passar o tempo flutuando
Em qualquer coisa que não seja virtude
E o homem solitário também gosta, sem dúvida,
De exibir pra si mesmo toda sua solidão

Eu vejo o homem solitário cantar melodias que não existem
E conseguir desafinar
Um assovio torto que despenca do nonagésimo andar
Sabe-se lá como chegar até ali

Eu vejo o homem solitário com seu guarda-chuva
Chutar uma poça de uísque pra dentro do peito
Cambaleando que só, urge, o homem solitário,
De qualquer amparo que não tenha pulsação

Eu vejo o homem solitário se dar melhor com cimento
Que com gente e se entender melhor
Com passarinhos do que
Com poetas e filósofos

O homem solitário ri para a árvore e ela joga uma folha
Eu o vejo decifrar alguma coisa nas nuvens
E olhar para os lados para ver se alguém está olhando
Melhor: para garantir que ninguém esteja

Eu vejo o homem solitário também
Através de seus olhos solitários
Eu o vejo num reflexo de vidro de padaria
Ele me dá boa noite no espelho

O homem solitário não quer que o presente poema rime
Ele dispensa qualquer trabalho com definições de si
Ele quer, mesmo, é o fim do tal poema
Ele acha que fazer poesia é se revelar além da conta

Eu vejo o homem solitário caminhando mais uma vez
E se despedindo
Lá de cima do seu mundo.


- Rafael C. Nemer


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